Personalidade e atributos de Javé são compartilhados com outras divindades do Oriente. Pesquisadores revelam que Javé, o grande personagem da bíblia, não foi visto sempre como um deus único.
Antes do livro sagrado, ele era só mais um entre muitas divindades.
Pai celestial El, jovem guerreiro Baal e até 'senhora' Asherah teriam sido influências.
A afirmação pode soar desrespeitosa para judeus ou cristãos, mas não está muito longe da verdade: Javé, o Deus do Antigo Testamento, parece ter múltiplas personalidades. Para ser mais exato, especialistas que estudam os textos bíblicos, lêem antigas inscrições encontradas nos arredores de Israel ou escavam sítios arqueólogicos estão reconhecendo a influência conjunta de diversos deuses pagãos antigos no retrato de Javé traçado pela Bíblia.
A idéia não é demonstrar que o Deus bíblico não passa de mais um personagem da mitologia. Os pesquisadores querem apenas entender como elementos comuns à cultura do antigo Oriente Próximo, e principalmente da região onde hoje ficam o estado de Israel, os territórios palestinos, o Líbano e a Síria, contribuíram para as idéias que os antigos israelitas tinham sobre os seres divinos. As conclusões ainda são preliminares, mas há bons indícios de que Javé é uma fusão entre um deus idoso e paternal e um jovem deus guerreiro, com pitadas de outras divindades – uma delas do sexo feminino.
O ponto de partida dessas análises é o fundo cultural comum entre o antigo povo de Israel e seus vizinhos e adversários, os cananeus (moradores da terra de Canaã, como era chamada a região entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo em tempos antigos).
A Bíblia retrata os israelitas como um povo quase totalmente distinto dos cananeus, mas os dados arqueólogicos revelam profundas semelhanças de língua, costumes e cultura material – a língua de Canaã, por exemplo, era só um dialeto um pouco diferente do hebraico bíblico.
Memórias de Ugarit
Os cananeus não deixaram para trás uma herança literária tão rica quanto a Bíblia.
No entanto, poucos quilômetros ao norte de Canaã, na atual Síria, ficava a cidade-Estado de Ugarit, cuja língua e cultura eram praticamente idênticas às de seus primos do sul. Ugarit foi destruída por invasores bárbaros em 1200 a.C., mas os arqueólogos recuperaram numerosas inscrições da cidade, nas quais dá para entrever uma mitologia que apresenta semelhanças (e diferenças) impressionantes com as narrativas da Bíblia. “Por isso, Ugarit é uma parte importante do fundo cultural que, mais tarde, daria origem às tribos de Israel”, resume Christine Hayes, professora de estudos clássicos judaicos da Universidade Yale (EUA).
Uma das figuras mais proeminentes nesses textos é El – nome que quer dizer simplesmente “deus” nas antigas línguas da região, mas que também se refere a uma divindade específica, o patriarca, ou chefe de família, dos deuses. “Patriarca” é a palavra-chave: o El de Ugarit tem paralelos muito específicos com a figura de Deus durante o período patriarcal, retratado no livro do Gênesis e personificado pelos ancestrais dos israelitas: Abraão, Isaac e Jacó.
Nesses textos da Bíblia há, por exemplo, referências a El Shadday (literalmente “El da Montanha”, embora a expressão normalmente seja traduzida como “Deus Todo-Poderoso”), El Elyon (“Deus Altíssimo”) e El Olam (“Deus Eterno”).
O curioso é que, na mitologia ugarítica, El também é imaginado vivendo no alto de uma montanha e visto como um ancião sábio, de vida eterna.
Tal como os patriarcas bíblicos, El é uma espécie de nômade, vivendo numa versão divina da tenda dos beduínos; e, mais importante ainda, El tem uma relação especial com os chefes dos clãs, tal como Abraão, Isaac e Jacó: eles os protege e lhes promete uma descendência numerosa. Ora, a maior parte do livro do Gênesis é o relato da amizade de Deus com os patriarcas israelitas, guiando suas migrações e fazendo a promessa solene de transformar a descendência deles num povo “mais numeroso que as estrelas do céu”.
Israel ou “Israías”?
Outros dados, mais circunstanciais, traçam outros elos entre o Deus do Gênesis e El: num dos trechos aparentemente mais antigos do livro bíblico, Deus é chamado pelo epíteto poético de “Touro de Jacó” (frase às vezes traduzida como “Poderoso de Jacó”), enquanto a mitologia ugarítica compara El freqüentemente a um touro. Finalmente, o próprio nome do povo escolhido – Israel, originalmente dado como alcunha ao patriarca Jacó – carrega o elemento “-el”, lembra Airton José da Silva, professor de Antigo Testamento do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (SP).
“É o nome do deus cananeu, mais um indício de que Israel surge dentro de Canaã, por um processo gradual”, diz Silva. Ele argumenta que, se Javé fosse desde sempre a divindade dos israelitas, o nome desse povo seria “Israías”.
Isso porque o elemento adaptado como “-ías” em português (algo como -yahu) era, em hebraico, uma forma contrata do nome “Javé”.
Curiosamente, o elemento se torna dominante nos chamados nomes teofóricos (ligados a uma divindade) dados a israelitas no período da monarquia, a partir dos séculos 10 a.C. e 9 a.C.
E esse nome (provavelmente Yahweh em hebraico; a sonoridade original foi obscurecida pelo costume de não pronunciar a palavra por respeito) é um enigma e tanto. As tradições bíblicas são um tanto contraditórias, mas pelo menos uma fonte das Escrituras afirma que Javé só deu a conhecer seu verdadeiro nome aos israelitas quando convocou Moisés para ser seu profeta e arrancar os descendentes de Jacó da escravidão no Egito. (A Moisés, Deus diz que apareceu a Abraão, Isaac e Jacó como “El Shadday”.)
O problema é que ninguém sabe qual a origem de Javé, o qual nunca parece ter sido uma divindade cananéia, exatamente como diz o autor bíblico.
Senhor do deserto
A esmagadora maioria dos arqueólogos e historiadores modernos não coloca suas fichas no Êxodo maciço de 600 mil israelitas (sem contar mulheres e crianças) do Egito, por dois motivos: a semelhança entre Israel e os cananeus e a falta de qualquer indício direto da fuga. Mas muitos supõem que um pequeno componente dos grupos que se juntaram para formar a nação israelita tenha sido formado por adoradores de Javé, que acabaram popularizando o culto. Quem seriam esses primeiros javistas?
Uma pista pode vir de alguns documentos egípcios, que os chamam de Shasu – algo como “nômades” ou “beduínos”.
“Duas ou três inscrições egípcias mencionam um lugar chamado 'Yhwh dos Shasu', o que, para alguns especialistas, parece ser 'Javé dos Shasu'.
“É menos provável que o culto a Javé venha de dentro da Palestina e da Síria, e um pouco mais plausível que ele tenha se originado em certas regiões da Arábia”, diz Airton da Silva. Mark Smith lembra que algumas das passagens poéticas consideradas as mais antigas da Bíblia – nos livros dos Juízes e nos Salmos, por exemplo – referem-se ao “lar” de Javé em locais denominados “Teiman” ou “Paran”.
Aparentemente, são áreas desérticas, apropriadas para a vida de nomadismo.
“Muitos especialistas localizam essa região no que seria o noroeste da atual Arábia Saudita, ao sul da antiga Judá [parte mais meridional dos territórios israelitas]”, diz Smith.
Seja como for, quando Javé entra em cena com seu “nome oficial” durante o Êxodo bíblico, a impressão que se tem é que ele já absorveu boa parte das características de um outro deus cananeu: Baal (literalmente “senhor”, “mestre” e, em certos contextos, até “marido”), um guerreiro jovem e impetuoso que acabou assumindo, na mitologia de Ugarit e da Fenícia (atual Líbano), o papel de comando que era de El.
Indícios dessa nova “personalidade” de Deus surgem no fato de que, pela primeira vez na narrativa bíblica, Javé é visto como um guerreiro, destruindo os “carros de guerra e cavaleiros” do Faraó e, mais tarde, guiando as tribos de Israel à vitória durante a conquista da terra de Canaã. Tal como Baal, Javé é descrita como “cavalgando as nuvens” e “trovejando”. E, mais importante ainda, uma série de textos bíblicos falam de Deus impondo sua vontade contra os mares impetuosos (como no caso do Mar Vermelho, em que as águas engolem o exército egípcio por ordem divina) ou derrotando monstros marinhos.
Há aí uma série de semelhanças com a mitologia cananéia sobre Baal, o qual derrotou em combate o deus-monstro marinho Yamm (o nome quer dizer simplesmente “mar” em hebraico) ou “o Rio” personificado. Na mitologia do Oriente Próximo, as águas marinhas eram vistas como símbolos do caos primitivo, e por isso tinham de ser derrotadas e domadas pelos deuses.
Javé também é associado à chuva e à fertilidade da terra pelos antigos autores bíblicos – atributos que aparecem entre as funções de Baal.
Há, porém, uma diferença importante entre os dois deuses: outra narrativa de Ugarit fala do assassinato de Baal pelas mãos de Mot, o deus da morte, e da ressurreição do jovem guerreiro – provavelmente uma representação mítica do ciclo das estações do ano, essencial para a agricultura, já que Baal era um deus que abençoava a lavoura.
O lado guerreiro de Javé é talvez o mais difícil de aceitar para a sensibilidade moderna: quando os israelitas realizam a conquista da terra de Canaã, a ordem dada por Deus é de simplesmente exterminar todos os habitantes, e às vezes até os animais (embora, em alguns casos, os homens de Israel recebam permissão para transformar as mulheres do inimigo em concubinas).
Textos de outra nação da área, os moabitas (habitantes de Moab, a leste do Jordão) ajudam a lançar luz sobre esse costume aparentemente bárbaro. Um monumento de pedra conhecido como a estela de Mesa (nome de um rei de Moab em meados do século 9 a.C.) fala, ironicamente, de uma guerra de Mesa com Israel na qual o rei moabita, por ordem de seu deus, Chemosh, decreta o herem, ou “interdito”.
E o herem nada mais é que a execução de todos os prisioneiros inimigos como um ato sagrado. Tratava-se, portanto, de um elemento cultural de toda a região.
Lado feminino
Se a “múltipla personalidade” de Javé pode ser basicamente descrita como uma combinação de El e Baal, há uma influência mais sutil, mas também perceptível, de um elemento feminino: a deusa da fertilidade Asherah, originalmente a esposa de Baal na mitologia cananéia. Normalmente, Deus se comporta de forma masculina na Bíblia, e a linguagem utilizada para falar de sua relação com os israelitas é, muitas vezes, a de um marido (Deus) e a esposa (o povo de Israel).
Mas o livro bíblico dos Provérbios, bem como alguns outras fontes israelitas, apresenta a figura da Sabedoria personificada, uma espécie de “auxiliar” ou “primeira criatura” de Deus que o teria auxiliado na obra da criação do mundo.
Antiga deus Asherah
Segundo o texto dos Provérbios, Deus “se deleita” com a Sabedoria e a usa para inspirar atos sábios nos seres humanos. Para muitos pesquisadores, a figura da Sabedoria incorpora aspectos da antiga deus Asherah na maneira como os antigos israelitas viam Deus, criando uma espécie de tensão: embora o próprio Deus não seja descrito como feminino, haveria uma complementaridade entre ele e sua principal auxiliar.
Reinaldo José Lopes
Do G1, em São Paulo
Como Forjaram o Deus Cristão
Os deuses, antes divinos, variados e humanos, deram lugar a um deus único.
Essa transformação, fruto de fatos históricos, estes anteriores à bíblia, promove Javé, de um deus simples e hierarquicamente inferior, a um deus total.
Mesmo no seu panteão ele não era o maioral. Pela compreensão histórica seria como um deus grego de baixa potência (Cupido), fosse promovido a um “Zeus”.
Asherah (acima)
São os dois querubins criaturas que, na tradição posterior, são retratados como anjos, mas que na verdade lembram mais esfinges, com corpo de leão ou touro, asas de águia e cabeça humana, como se pode ver na fotografia.
Antes do livro sagrado, ele era só mais um entre muitas divindades.
Pai celestial El, jovem guerreiro Baal e até 'senhora' Asherah teriam sido influências.
A afirmação pode soar desrespeitosa para judeus ou cristãos, mas não está muito longe da verdade: Javé, o Deus do Antigo Testamento, parece ter múltiplas personalidades. Para ser mais exato, especialistas que estudam os textos bíblicos, lêem antigas inscrições encontradas nos arredores de Israel ou escavam sítios arqueólogicos estão reconhecendo a influência conjunta de diversos deuses pagãos antigos no retrato de Javé traçado pela Bíblia.
A idéia não é demonstrar que o Deus bíblico não passa de mais um personagem da mitologia. Os pesquisadores querem apenas entender como elementos comuns à cultura do antigo Oriente Próximo, e principalmente da região onde hoje ficam o estado de Israel, os territórios palestinos, o Líbano e a Síria, contribuíram para as idéias que os antigos israelitas tinham sobre os seres divinos. As conclusões ainda são preliminares, mas há bons indícios de que Javé é uma fusão entre um deus idoso e paternal e um jovem deus guerreiro, com pitadas de outras divindades – uma delas do sexo feminino.
O ponto de partida dessas análises é o fundo cultural comum entre o antigo povo de Israel e seus vizinhos e adversários, os cananeus (moradores da terra de Canaã, como era chamada a região entre o rio Jordão e o mar Mediterrâneo em tempos antigos).
A Bíblia retrata os israelitas como um povo quase totalmente distinto dos cananeus, mas os dados arqueólogicos revelam profundas semelhanças de língua, costumes e cultura material – a língua de Canaã, por exemplo, era só um dialeto um pouco diferente do hebraico bíblico.
Memórias de Ugarit
Os cananeus não deixaram para trás uma herança literária tão rica quanto a Bíblia.
O Deus El de Ugarit
El Elyon
Uma das figuras mais proeminentes nesses textos é El – nome que quer dizer simplesmente “deus” nas antigas línguas da região, mas que também se refere a uma divindade específica, o patriarca, ou chefe de família, dos deuses. “Patriarca” é a palavra-chave: o El de Ugarit tem paralelos muito específicos com a figura de Deus durante o período patriarcal, retratado no livro do Gênesis e personificado pelos ancestrais dos israelitas: Abraão, Isaac e Jacó.
Nesses textos da Bíblia há, por exemplo, referências a El Shadday (literalmente “El da Montanha”, embora a expressão normalmente seja traduzida como “Deus Todo-Poderoso”), El Elyon (“Deus Altíssimo”) e El Olam (“Deus Eterno”).
O curioso é que, na mitologia ugarítica, El também é imaginado vivendo no alto de uma montanha e visto como um ancião sábio, de vida eterna.
Tal como os patriarcas bíblicos, El é uma espécie de nômade, vivendo numa versão divina da tenda dos beduínos; e, mais importante ainda, El tem uma relação especial com os chefes dos clãs, tal como Abraão, Isaac e Jacó: eles os protege e lhes promete uma descendência numerosa. Ora, a maior parte do livro do Gênesis é o relato da amizade de Deus com os patriarcas israelitas, guiando suas migrações e fazendo a promessa solene de transformar a descendência deles num povo “mais numeroso que as estrelas do céu”.
Israel ou “Israías”?
Outros dados, mais circunstanciais, traçam outros elos entre o Deus do Gênesis e El: num dos trechos aparentemente mais antigos do livro bíblico, Deus é chamado pelo epíteto poético de “Touro de Jacó” (frase às vezes traduzida como “Poderoso de Jacó”), enquanto a mitologia ugarítica compara El freqüentemente a um touro. Finalmente, o próprio nome do povo escolhido – Israel, originalmente dado como alcunha ao patriarca Jacó – carrega o elemento “-el”, lembra Airton José da Silva, professor de Antigo Testamento do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (SP).
“É o nome do deus cananeu, mais um indício de que Israel surge dentro de Canaã, por um processo gradual”, diz Silva. Ele argumenta que, se Javé fosse desde sempre a divindade dos israelitas, o nome desse povo seria “Israías”.
Isso porque o elemento adaptado como “-ías” em português (algo como -yahu) era, em hebraico, uma forma contrata do nome “Javé”.
Curiosamente, o elemento se torna dominante nos chamados nomes teofóricos (ligados a uma divindade) dados a israelitas no período da monarquia, a partir dos séculos 10 a.C. e 9 a.C.
E esse nome (provavelmente Yahweh em hebraico; a sonoridade original foi obscurecida pelo costume de não pronunciar a palavra por respeito) é um enigma e tanto. As tradições bíblicas são um tanto contraditórias, mas pelo menos uma fonte das Escrituras afirma que Javé só deu a conhecer seu verdadeiro nome aos israelitas quando convocou Moisés para ser seu profeta e arrancar os descendentes de Jacó da escravidão no Egito. (A Moisés, Deus diz que apareceu a Abraão, Isaac e Jacó como “El Shadday”.)
O problema é que ninguém sabe qual a origem de Javé, o qual nunca parece ter sido uma divindade cananéia, exatamente como diz o autor bíblico.
Senhor do deserto
A esmagadora maioria dos arqueólogos e historiadores modernos não coloca suas fichas no Êxodo maciço de 600 mil israelitas (sem contar mulheres e crianças) do Egito, por dois motivos: a semelhança entre Israel e os cananeus e a falta de qualquer indício direto da fuga. Mas muitos supõem que um pequeno componente dos grupos que se juntaram para formar a nação israelita tenha sido formado por adoradores de Javé, que acabaram popularizando o culto. Quem seriam esses primeiros javistas?
Uma pista pode vir de alguns documentos egípcios, que os chamam de Shasu – algo como “nômades” ou “beduínos”.
“Duas ou três inscrições egípcias mencionam um lugar chamado 'Yhwh dos Shasu', o que, para alguns especialistas, parece ser 'Javé dos Shasu'.
Shasu
Talvez sim, talvez não. Não temos como saber ao certo”, diz Mark S. Smith, pesquisador da Universidade de Nova York e autor do livro “The Early History of God” (“A História Antiga de Deus”, ainda sem tradução para o português). “É menos provável que o culto a Javé venha de dentro da Palestina e da Síria, e um pouco mais plausível que ele tenha se originado em certas regiões da Arábia”, diz Airton da Silva. Mark Smith lembra que algumas das passagens poéticas consideradas as mais antigas da Bíblia – nos livros dos Juízes e nos Salmos, por exemplo – referem-se ao “lar” de Javé em locais denominados “Teiman” ou “Paran”.
Aparentemente, são áreas desérticas, apropriadas para a vida de nomadismo.
deus-monstro marinho Yamm
Baal era o deus da fertilidade e, associado à tempestade e à chuva, tinha lutas periódicas com Mot, senhor da seca e da morte. Nessa mitologia, Baal representava as forças ativas da vida, enquanto El estava associado à sabedoria e à prudência da maturidade.
Seja como for, quando Javé entra em cena com seu “nome oficial” durante o Êxodo bíblico, a impressão que se tem é que ele já absorveu boa parte das características de um outro deus cananeu: Baal (literalmente “senhor”, “mestre” e, em certos contextos, até “marido”), um guerreiro jovem e impetuoso que acabou assumindo, na mitologia de Ugarit e da Fenícia (atual Líbano), o papel de comando que era de El.
Indícios dessa nova “personalidade” de Deus surgem no fato de que, pela primeira vez na narrativa bíblica, Javé é visto como um guerreiro, destruindo os “carros de guerra e cavaleiros” do Faraó e, mais tarde, guiando as tribos de Israel à vitória durante a conquista da terra de Canaã. Tal como Baal, Javé é descrita como “cavalgando as nuvens” e “trovejando”. E, mais importante ainda, uma série de textos bíblicos falam de Deus impondo sua vontade contra os mares impetuosos (como no caso do Mar Vermelho, em que as águas engolem o exército egípcio por ordem divina) ou derrotando monstros marinhos.
Há aí uma série de semelhanças com a mitologia cananéia sobre Baal, o qual derrotou em combate o deus-monstro marinho Yamm (o nome quer dizer simplesmente “mar” em hebraico) ou “o Rio” personificado. Na mitologia do Oriente Próximo, as águas marinhas eram vistas como símbolos do caos primitivo, e por isso tinham de ser derrotadas e domadas pelos deuses.
Javé também é associado à chuva e à fertilidade da terra pelos antigos autores bíblicos – atributos que aparecem entre as funções de Baal.
Há, porém, uma diferença importante entre os dois deuses: outra narrativa de Ugarit fala do assassinato de Baal pelas mãos de Mot, o deus da morte, e da ressurreição do jovem guerreiro – provavelmente uma representação mítica do ciclo das estações do ano, essencial para a agricultura, já que Baal era um deus que abençoava a lavoura.
O lado guerreiro de Javé é talvez o mais difícil de aceitar para a sensibilidade moderna: quando os israelitas realizam a conquista da terra de Canaã, a ordem dada por Deus é de simplesmente exterminar todos os habitantes, e às vezes até os animais (embora, em alguns casos, os homens de Israel recebam permissão para transformar as mulheres do inimigo em concubinas).
Textos de outra nação da área, os moabitas (habitantes de Moab, a leste do Jordão) ajudam a lançar luz sobre esse costume aparentemente bárbaro. Um monumento de pedra conhecido como a estela de Mesa (nome de um rei de Moab em meados do século 9 a.C.) fala, ironicamente, de uma guerra de Mesa com Israel na qual o rei moabita, por ordem de seu deus, Chemosh, decreta o herem, ou “interdito”.
Chemosh
Lado feminino
Se a “múltipla personalidade” de Javé pode ser basicamente descrita como uma combinação de El e Baal, há uma influência mais sutil, mas também perceptível, de um elemento feminino: a deusa da fertilidade Asherah, originalmente a esposa de Baal na mitologia cananéia. Normalmente, Deus se comporta de forma masculina na Bíblia, e a linguagem utilizada para falar de sua relação com os israelitas é, muitas vezes, a de um marido (Deus) e a esposa (o povo de Israel).
Mas o livro bíblico dos Provérbios, bem como alguns outras fontes israelitas, apresenta a figura da Sabedoria personificada, uma espécie de “auxiliar” ou “primeira criatura” de Deus que o teria auxiliado na obra da criação do mundo.
Antiga deus Asherah
Segundo o texto dos Provérbios, Deus “se deleita” com a Sabedoria e a usa para inspirar atos sábios nos seres humanos. Para muitos pesquisadores, a figura da Sabedoria incorpora aspectos da antiga deus Asherah na maneira como os antigos israelitas viam Deus, criando uma espécie de tensão: embora o próprio Deus não seja descrito como feminino, haveria uma complementaridade entre ele e sua principal auxiliar.
Reinaldo José Lopes
Do G1, em São Paulo
Como Forjaram o Deus Cristão
Os deuses, antes divinos, variados e humanos, deram lugar a um deus único.
Essa transformação, fruto de fatos históricos, estes anteriores à bíblia, promove Javé, de um deus simples e hierarquicamente inferior, a um deus total.
Mesmo no seu panteão ele não era o maioral. Pela compreensão histórica seria como um deus grego de baixa potência (Cupido), fosse promovido a um “Zeus”.
Nos primórdios da civilização os deuses eram as forças naturais.
Aqui se compara a infância dos deuses:
… Deus era uma criança. Uma não, muitas: um deus era chuva, outro o Sol, mais outro o trovão..os deuses eram as forças por trás de uma natureza inexplicável para os primeiros humanos da Terra. Facetas de divindades borbulhavam em cachoeiras, galopavam com os cavalos selvagens, voavam com o vento, escondiam em cada rochedo, bosque, duna do deserto. E do deserto veio a que daria origem a deus pra valer.
Segundo o autor, a espiritualidade é muito presente no instinto humano.
A idéia de tentar prever fatos, de detectar as intenções pode se aplicar a fenômenos da natureza, como chuva, trovões, tormentas. Cada fenômeno de tão poderoso vem a ser, na idéia destes humanos primitivos, as ações e desejos das divindades escondidas.
São o que consideram a “infância” dos deuses, comprovada por registros de mais de 30 mil anos.
São representações daquilo que veem: seres como humanos e animais. híbridos com corpo de um e cabeça de outro.
Esta representação só é abandonada quando os animais se tornam pouco importantes, ao se estabelecerem em locais, com o advento da agricultura há 10 mil anos, no Oriente Médio.
Apesar de manter o controle das forças naturais, com a sofisticação social da criação de cidades, a espiritualidade tomava outro rumo.Desta vez teríamos um culto mais focado na personalidade humana.Com a criação da escrita, a sofisticação aumentava.
O estilo da mitologia grega, de habitantes do olimpo tomava corpo.
Aí surge Javé. Como um deus que começou de baixo.
Era uma divindade dos desertos do Sul. Junto com seus pouco súditos chegaria à pulsante Canaã, domínio do deus El, o altíssimo. Ao lado do soberano, a mãe de divindades e homens, Asherah, senhora de tudo o que é fértil, e seu sucessor Baal, o deus que dava chuvas àquelas paisagens áridas…eles só não imaginavam que Javé tramava a destruição deles.AsherahInscrições indicariam que Javé teria tido como companheira a deusa da fertilidade Asherah. Tese é polêmica; outros especialistas dizem que Deus só 'absorveu' atributos da deusa.
Pesquisadores de todas as áreas então, procuram por pistas da vida pregressa de Javé. Até na bíblia sugere a origem do Javé, nas terras de Teiman e Pairan.
Ainda, estudiosos veem por registros egípcios, “Javé dos Sashu”, que Javé era de fora, beduíno, um nômade. Teria vindo e se incorporado ao panteão cananeu.
Registro arqueológicos da cidade de Ugarit, destruído em 1200 aC, dão a idéia de quais deuses existiam. Há o pai dos deuses e dos homens, o idoso, o bondoso, o barbudo El; sua esposa, Asherah, a filha Anat; o filho adotivo Baal, deus da guerra e da tempestade, que morre, ressuscita e derrota as divindades malignas Yamm (mar) e Mot ( a morte). veremos que o deus El guarda semelhanças nas promessas de farta descendências dos chefes tribais, com o mesmo desejo de Javé. Vemos então uma absorção, uma infiltração desse Javé beduíno no rol dos deuses destas tribos.
Devido a personalidade forte de Javé, construído na mitologia do personagem, começa a tomar o espaço das divindades dos antigos cananeus.
Um dos textos poéticos mais antigos até que a própria biblia, salmo 82, comenta sobre uma reunião de um conselho divino, para questões de importância.
Lá nesta Câmara dos deputados divinos, já faz referência a Javé como o deus total.
Ele simplesmente se rebela contra os outros e manda praga pros deuses reinantes, como que os condenando à morte. Historicamente é complicado prever em que momento Javé passa efetivamente a impor sua vontade perante os outros deuses, considerando a mitologia religiosa.
Acham que tem concordância com a consolidação de Israel como povo distindo dos demais Cananeus. Como fatalidade ao pensamento nacionalista dos judeus, que queriam unificação e identificação próprias, a escolha de um deus representaria a união, a unicidade.
Neste momento, há uma espécie de sincretismo de Javé com os deuses Baal e El.
Baal e Javé são associados a vulcões, tempestades, como guerreiros invencíveis que moram em montes. Baal em Zafon e Javé no Sinai.
Baal havia triunfado sobre o deus do mar, mas os textos da bíblia atribuem a Javé.
De qualquer forma, Javé usa o mar contra o inimigo do povo Hebreu, o faraó.
Então esse deus passa a se confundir com a própria história do povo de Israel. Definitivamente Javé toma o Trono que era do deus El.
Também dizem que tomou a mulher dele! Será que uma deusa pagã, atacada na Bíblia como uma das maiores inimigas do culto ao Deus verdadeiro, poderia ser, na verdade, a esposa Dele? De forma bastante simplificada, esse é um dos principais debates que dividem os historiadores da religião do antigo Israel nos últimos tempos. Inscrições misteriosas, pequenas estatuetas de cerâmica e o próprio texto da Bíblia indicariam que a deusa em questão, conhecida como Asherah, não teria sido adorada como rival de Javé, o Deus judaico-cristão, mas sim como sua companheira.
Asherah (acima)
A última resitência da antiga assembléia divina parte de Baal. Sem pestanejar, Javé o elimina. Asherah tem o mesmo destino trágico. Daqui por diante ele estará sozinho nos céus. E alcança a serenidade. Hora de fazer as pazes com a humanidade. E um sacrifício.Agora Javé goza de poder e glória.
Então, numa reforma instituída por Josias (649 – 609 a C), rei de Judá, fica historicamente marcada a virada pra Deus Único.
A Nação das tribos de Canaã tinha sido dividida em dois reinos: de Judá e de Israel. Como israel tinha sido conquistado pelos Assírios, Josias como rei de Judá, desejando a unificação sob a religião, adotou o deus único Javé e por decreto passou a destruir altares de outras divindades, como El, Baal, Asherah.
Essa expulsão definitiva de Baal explica o episódio do bezerro de ouro durante a passagem dos Israelitas pelo deserto. Foi a própria invenção do monoteísmo.
Compara-se tal feito histórico da espiritualidade com a adoção, pelo imperador Constantino, do cristianismo como religião oficial, anos mais tarde.
Agora o deus adotado por Roma não é mais dos israelitas, mas da humanidade inteira. Para os crentes, ele criou o mundo, o homem.
Andou meio catastrófico no Antigo Testamento, mandando pragas, enviando castigos, até matar quase toda a humanidade.
O guerreiro Javé vai se tranformando na entidade transcendental como vemos.
Sua divinização é completada com a reencarnação em Jesus.
Em vez de pragas, ira, dilúvios ele resolve livrar a humanidade, sacrificando-se.
Aí fica mais bonzinho, sua ira é amenizada, aplacada.
Porém, continua no mundo ilusório da espiritualidade e mitologia.
Lá sobrevive mesmo com as contradições e impossibilidades.
Chegamos a concluir que o deus judaico-cristão é uma criação de uma vontade de um povo do deserto, por questões históricas e eventuais, de unificar seu reino, projetando a vontade na mitologia salvadora. Nada existe de extraordinário e inédito nisso.
Foi apenas mais um deus no mundo das divindades, assimilando toda uma gama de poderes de outros deuses, constantes do sincretismo e absorção da cultura vigente.
Em algum momento, antes destes povos do deserto, Javé não existia.
Também como nunca existiu em civilizações mais antigas e de outras regiões.
Este deus é tão específico da região que nos ensinamentos claramente falam que o povo escolhido é o da Palestina.
Por questões históricas, de conquistas, eventuais, este deus foi parar na cultura de muitos povos e hoje toma-se como único.
Querubins
O detalhe mais significativo do objeto para os estudiosos modernos, porém, talvez seja o de dois personagens misteriosos cujas imagens encimavam a tampa da Arca. São os dois querubins criaturas que, na tradição posterior, são retratados como anjos, mas que na verdade lembram mais esfinges, com corpo de leão ou touro, asas de águia e cabeça humana, como se pode ver na fotografia.
Seu deus é para o povo do deserto, mesmo que se trate do âmbito Iconográfico. fantasia!
Nenhum comentário:
Postar um comentário