Stregheria e Magia Vernacular na Itália: uma comparação
De Sabina Magliocco
Tradução: Pietra di Chiaro Luna
Stregheria e Magia Vernacular na Itália: uma comparação
De Sabina Magliocco
Tradução: Pietra di Chiaro Luna
A distinção entre a Stregheria contemporânea e a magia tradicional italiana, práticas de cura e espirituais vem se tornando assunto de debates em um bom número de listas e websites. Neste pequeno ensaio, tentarei resumir algumas das minhas publicações acadêmicas sobre o assunto para uma platéia não escolástica, e também encorajar pesquisas, questionamentos e discussões mais profundas a esse respeito. Preciso ressaltar de início que minha linha é mais acadêmica: como antropóloga e folclorista, considero ambas Stregheria e a magia vernacular italiana como importantes facetas da cultura com seus direitos preservados. Minha intenção não é rejeitar a autenticidade de nenhuma delas, mas ajudar os leitores a entender ambas no contexto nos quais elas se desenvolveram, e como a primeira cresceu para que a segunda esteja no contexto da imigração ítalo-americana.
Stregheria é uma forma de bruxaria neo-pagã ítalo-americana। Ela deve suas origens à Aradia, ou o Evangelho das Bruxas (1889), uma coleção de feitiços, rimas e lendas que um folclorista amador chamado Charles G. Leland que dizia ter vindo de uma vidente florentina chamada Maddalena. De acordo com Leland, Maddalena pertencia a uma família de bruxas que praticavam uma forma de religião pagã centrada no culto da deusa lua Diana. Leland interpretou esses materiais que coletou de acordo com as teorias de folclore popular do fim do século XIX: como sobreviventes de antigas religiões pagãs, especialmente das romanas e etruscas, civilizações que dominaram a Itália central. Ele chamou a bruxaria de la vecchia religione (a velha religião). Já do início, o trabalho de Leland foi controverso. Alguns dos materiais que fazem parte desse trabalho – a conjuração com os limões e alfinetes, por exemplo – têm análogos no folclore italiano. Outras histórias parecem ser versões de rimas infantis italianas, reescritas para servirem aos intentos de Leland. E a personagem de Aradia parece ser baseada numa figura do folclore italiano medieval: a bíblica Herodias (Erodiade em italiano), era creditada por voar pelo ar à noite com uma procissão fantasmagórica. Mas esses pedaços de folclore não aparecem em outros locais no folclore italiano como parte de um texto. Se o Evangelho das Bruxas era um texto autêntico de uma tradição popular, uma outra versão teria sido coletada em algum ponto por algum historiador ou folclorista. Porém nenhum texto semelhante foi encontrado pelos etnologistas italianos. Por essa razão, o “Aradia” de Leland sempre foi entendido como uma farsa. Mais recentemente, o historiador Robert Mathiesen propôs uma nova explicação: que Aradia seja interpretada como um texto dialógico e intersubjetivo – um produto de uma interação próxima entre Leland e Maddalena, durante a qual Maddalena selecionou e reinterpretou pedaços do folclore que poderiam interessar ao seu abastado patrão. O resultado foi um documento que incorpora muitos elementos de folclore, mas amarrado de forma não usual, dando a eles uma interpretação única e atípica.
De Sabina Magliocco
Tradução: Pietra di Chiaro Luna
A distinção entre a Stregheria contemporânea e a magia tradicional italiana, práticas de cura e espirituais vem se tornando assunto de debates em um bom número de listas e websites. Neste pequeno ensaio, tentarei resumir algumas das minhas publicações acadêmicas sobre o assunto para uma platéia não escolástica, e também encorajar pesquisas, questionamentos e discussões mais profundas a esse respeito. Preciso ressaltar de início que minha linha é mais acadêmica: como antropóloga e folclorista, considero ambas Stregheria e a magia vernacular italiana como importantes facetas da cultura com seus direitos preservados. Minha intenção não é rejeitar a autenticidade de nenhuma delas, mas ajudar os leitores a entender ambas no contexto nos quais elas se desenvolveram, e como a primeira cresceu para que a segunda esteja no contexto da imigração ítalo-americana.
Stregheria é uma forma de bruxaria neo-pagã ítalo-americana। Ela deve suas origens à Aradia, ou o Evangelho das Bruxas (1889), uma coleção de feitiços, rimas e lendas que um folclorista amador chamado Charles G. Leland que dizia ter vindo de uma vidente florentina chamada Maddalena. De acordo com Leland, Maddalena pertencia a uma família de bruxas que praticavam uma forma de religião pagã centrada no culto da deusa lua Diana. Leland interpretou esses materiais que coletou de acordo com as teorias de folclore popular do fim do século XIX: como sobreviventes de antigas religiões pagãs, especialmente das romanas e etruscas, civilizações que dominaram a Itália central. Ele chamou a bruxaria de la vecchia religione (a velha religião). Já do início, o trabalho de Leland foi controverso. Alguns dos materiais que fazem parte desse trabalho – a conjuração com os limões e alfinetes, por exemplo – têm análogos no folclore italiano. Outras histórias parecem ser versões de rimas infantis italianas, reescritas para servirem aos intentos de Leland. E a personagem de Aradia parece ser baseada numa figura do folclore italiano medieval: a bíblica Herodias (Erodiade em italiano), era creditada por voar pelo ar à noite com uma procissão fantasmagórica. Mas esses pedaços de folclore não aparecem em outros locais no folclore italiano como parte de um texto. Se o Evangelho das Bruxas era um texto autêntico de uma tradição popular, uma outra versão teria sido coletada em algum ponto por algum historiador ou folclorista. Porém nenhum texto semelhante foi encontrado pelos etnologistas italianos. Por essa razão, o “Aradia” de Leland sempre foi entendido como uma farsa. Mais recentemente, o historiador Robert Mathiesen propôs uma nova explicação: que Aradia seja interpretada como um texto dialógico e intersubjetivo – um produto de uma interação próxima entre Leland e Maddalena, durante a qual Maddalena selecionou e reinterpretou pedaços do folclore que poderiam interessar ao seu abastado patrão. O resultado foi um documento que incorpora muitos elementos de folclore, mas amarrado de forma não usual, dando a eles uma interpretação única e atípica.
A despeito das controvérsias a seu respeito, o texto de Leland se tornou bem influente: ele igualitava magia popular a uma tradição antiga envolvendo a veneração de uma deusa e localizou tudo isso na Itália। Leland influenciou claramente Gerald Gardner, a quem são dados os créditos do desenvolvimento da Wicca em sua forma presente, e através de Gardner, toda uma geração de bruxas. Entre os primeiros a se assumir como praticantes de bruxaria italiana está Leo Louis Martello (1933-2001). Martello dizia ter sido iniciado por um membro de sua família ainda menino. Ele descreve uma tradição hereditária baseada no mito siciliano da deusa Proserpina (Perséfone). Juntamente com a sacerdotisa Lori Bruno, também uma praticante hereditária, ele fundou a Trinacian Rose of New York City, um dos primeiros covens ítalo-americanos da América do Norte.
Mas o real herdeiro de Leland é Raven Grimassi, o arquiteto da Stregheria. Como Martello e Bruno, Grimassi diz ter sido iniciado numa família de tradicional prática de magia a qual ele descreve como hereditária, doméstica e secreta. A mãe de Grimassi vem de uma região da Campânia, perto de Nápoles. Ela pertence a uma família na qual os membros praticavam certas tradições mágicas, incluindo a remoção do mal-olhado, o feitio de licores e poções mágicas e divinação. Como as outras tradições descritas por Martello, Bruno e um número de etnologistas italianos, ela consistia num conjunto de ensinamentos secretos, limitada a membros da família, passada apenas para aqueles que tinham algum tipo de interesse ou habilidade mágica inatos. Mas não é sobre essa tradição que Grimassi escreve em seus livros Ways of the Strega (1995), Hereditary Witchcraft (1999) e Italian Witchcraft (2000). Ao invés disso, ele apresenta uma elaboração do que Leland descreveu: uma religião parecida com a Wicca em estrutura e prática, com um sabor italiano adicionado com nomes de deidades, espíritos e sabás. De acordo com Grimassi, as bruxas italianas se dividem em três clãs: a Fanarra, no norte da Itália e a Janarra e Tanarra na Itália central. Nenhuma menção é feita ao sul da Itália, a despeito do fato de que a maioria dos imigrantes italianos da América do Norte, incluindo a mãe de Grimassi, tenham como origem aquele local. Cada tradição é dirigida por um líder conhecido como Grimas. Como o nome dos clãs de streghe, a palavra grimas não aparece na língua italiana ou qualquer um de seus dialetos. As streghe ítalo-americanas fazem suas práticas em círculos chamados boschetti (groves, bosques) liderados por uma sacerdotisa e um sacerdote. Eles se encontram nas luas cheia e nova e observam a comemoração de oito sabás. Eles veneram uma deusa lunar e um deus de chifres, baseados nas deidades etruscas Uni e Tagni, também conhecidos como Tana e Tanus, Jana e Janus, Fana e Fanus. Espíritos ancestrais conhecidos como Lasa olham pela família e outros espíritos como Fauni, Silvani, Folletti e Linchetti têm papéis importantes na Stregheria. Os guardiões das quatro direções são chamados Grigori. Enquanto os livros de Grimassi foram muito influentes nos EUA, covens individuais que não descendem dessa forma de prática podem não seguir ou não praticar de acordo com os ensinamentos de Grimassi. Como em toda a Arte neo-pagã, existe uma grande variação e adaptação entre grupos e indivíduos. A linha comum que costura todos os covens da Stregheria parece ser os esforços para dar a sua prática um gosto italiano, tanto pelo tipo de deidades veneradas, para as comidas servidas em rituais, ou a adaptação de práticas italianas e ítalo-americanas num contexto pagão.
Bruxaria Hereditária, no Brasil, publicado pela editora Gaia.
Bruxaria Hereditária, no Brasil, publicado pela editora Gaia.