A
partir de quais critérios um momento histórico reconhece algo como
religião?
Dito de outro modo: onde, quando e por quem os sistemas
classificatórios são inventados e de que maneira adquirem
legitimidade para serem aceitos como tais?
A
literatura sobre o campo religioso brasileiro tem demonstrado que as
fronteiras institucionais que distinguem as religiões (não-católicas) entre si resultam de um processo histórico de alianças e conflitos
entre atores religiosos e (não-religiosos)
.
Nesse
processo, as formas religiosas foram se constituindo e se modificando
em função de um jogo de forças que opôs a eficácia simbólica
daquilo que contextualmente fosse definido como mágico
e
a legitimidade social do que fosse assumido como religioso.
Assim, embora as análises antropológicas mais recentes tendam a
fixar essas cosmovisões e seus rituais como inerentes às
identidades religiosas supondo implicitamente que essas práticas
já nasceram como "religiões" definidas, pode-se
perceber a partir dos dados históricos apresentados pela literatura
que as particularidades dos contextos locais, as personalidades e as
trajetórias dos agentes mediadores que procuram institucionalizar
certas práticas e os limites colocados pelas diretrizes
jurídico-políticas do Estado promoveram arranjos muitas vezes
difíceis de enquadrar nas tipologias religiosas produzidas pelos
modelos acadêmicos. A
jovem República tinha diante de si a difícil tarefa de transformar
as naturezas primitivas de negros, mulatos e índios (e imigrantes) em
uma só sociedade civil, a qual se fundamentaria sobretudo na
produção de sujeitos passíveis de serem submetidos à
normatividade das leis e na moralidade da religião (cristã).
Tratou-se então de absorver e reinterpretar o conhecimento
antropológico disponível para discernir o mais claramente possível
aqueles que poderiam ser objeto da normatividade legal: feiticeiros,
curandeiros, charlatões, exploradores da credulidade pública ou
simples vítimas.
Se
a liberdade religiosa foi cronologicamente a "primeira", a
que serviu de modelo para todas as outras formas de liberdade civil,
a constitucionalidade jurídica da República se viu às voltas com o
problema de separar, no confuso quadro das práticas da população,
o que era "religião", portanto com direito a proteção
legal, daquilo que era "magia", prática anti-social e
anômica a ser então combatida. Em contrapartida, as diversas forças
sociais, médicos, advogados, curandeiros, filhos-de-santo etc. Procuravam influir como podiam nesses processos classificatórios ao
mesmo tempo simbólicos e políticos.
Na
verdade, a extensa agenda do regime republicano para laicizar o
Estado e excluir critérios religiosos da cidadania começou por
ocupar-se exclusivamente da Igreja Católica.
Outras
religiões não foram objeto de debate sistemático, a não ser o
protestantismo, que naquele momento já disputava seu lugar no
espaço público, sobretudo por meio da atividade educacional.
Portanto,
a noção genérica de "religião" a partir da qual se
garantiram legalmente a liberdade religiosa e a expressão dos cultos
teve como matriz o intenso debate jurídico sobre a melhor maneira de
regular os bens, as obras e as formas de associação da Igreja
Católica.
Na
formulação de "Giumbelli", as disputas em torno da liberdade
religiosa que constituíram o espaço civil republicano nunca
versaram sobre "qual religião teria liberdade, mas quase sempre
sobre a liberdade de que desfrutaria a religião [católica]",
uma vez que não havia então qualquer outro culto estabelecido, nem
se concebiam outras práticas populares como religiosas.
Mas
se religião
consistia
consensualmente apenas naqueles cultos praticados pela Igreja
Católica, como regulamentar as outras práticas que se expressavam
no espaço público?
A Constituição de 1891, ao dissolver o vínculo
entre Igreja e Estado, suprimiu as subvenções oficiais, mas
autorizou toda confissão religiosa a associar-se para esse fim e
adquirir bens. Impediu no entanto a institucionalização de
associações religiosas em templos ou igrejas, atribuindo-lhes o
mesmo estatuto de outras entidades da sociedade civil
.
O
próprio processo repressivo operante entre 1920 e 1940 teria
contribuído para o reconhecimento do estatuto religioso das práticas
espíritas, que no início do século XX não tinham a menor
pretensão de se fazer reconhecer como religião. No entanto, ao
propagar suas atividades de assistência aos necessitados em
"gabinetes clínicos", os espíritas desafiaram um dos
pilares da ordem pública urbana: o controle da saúde pública
mediante o cerceamento do exercício ilegal da medicina. Ao examinar
casos de denúncias nesse sentido julgados nos tribunais, o autor
aponta que se travou um debate em torno das formas legítimas e
ilegítimas de praticar o espiritismo cujo fulcro era a oposição
entre religião e magia (espiritismo como doutrina e como
curandeirismo), substrato da distinção entre crença e exploração
da credulidade pública. A descriminalização da mediunidade e das
práticas curativas a ela associadas será resultante de um processo
de transformação do espiritismo em uma forma de culto religioso. Se
o médium é um crente
(nos
espíritos que dão assistência e curam), não há em seu ato nenhum
estelionato, visto que se trata de um rito religioso, instrumento da
ação divina.
Processos
muito semelhantes constituíram o estatuto religioso da umbanda em
São Paulo no período 1920-50. Também organizados como associações
civis para se proteger das sanções legais, os terreiros foram pouco
a pouco assumindo estatuto de religiões, mas para tanto abrigaram-se
sob a rubrica do espiritismo, cujas práticas eram mais facilmente
aceitas como religiosas do que aquelas de origem africana, marcadas
pela ideia de magia.
Em seu trabalho sobre a institucionalização
da umbanda em São Paulo, Negrão relata que entre 1920 e 1940 as
associações umbandistas eram registradas em cartório como
espíritas, pois só assim podiam exercer publicamente suas
atividades sem sofrer perseguição policia
.No
interior desse quadro legal, as diferentes associações selecionavam
estrategicamente os arranjos rituais que melhor funcionassem para o
tenso equilíbrio entre aquilo que devia ser feito para angariar
reconhecimento no âmbito local das relações sociais e aquilo que
devia ser evitado para não sofrer acusações que pudessem cair na
órbita do poder público. Veremos adiante como essa tensão
permanente entre os interesses particulares e locais relacionados ao
"sucesso" de uma casa de culto e as necessidades de
legitimidade inerentes às suas variadas formas de publicização
(desde autorizações para ocupar espaços públicos até concessões
de meios de comunicação) alimentou continuamente as mudanças nas
configurações rituais dos diferentes cultos.
Em
face das disputas históricas que marcaram as distinções entre o
religioso e o mágico no país,
podemos perceber como a ideia weberiana de "secularização"
é insuficiente para explicar a construção do espaço público no
Brasil. A instauração de um Estado secular produziu ao mesmo tempo
um espaço civil e novas religiões. A demarcação das fronteiras
religiosas foi resultado de um processo histórico de diferenciação
entre magia e religião, e seus limites se deslocam continuamente em
função dos consensos produzidos a cada momento. O pluralismo
religioso, convencionalmente compreendido como tolerância com a
diversidade de cultos e como respeito à liberdade de consciência,
se constituiu às avessas no Brasil: não foi fundamento do Estado
moderno, mas seu produto.
Ainda
que para determinadas práticas o "tornar-se religião"
tenha representado a única forma socialmente legítima de existirem
no espaço público, não se pode inferir que essas práticas
assumiram em seu "modus
faciendia" forma daquilo
que a literatura especializada convencionou chamar de "religião":
um sistema doutrinário de crenças em deuses. Com efeito, as formas
de crença supostas pela literatura subjetivadas e racionalizadas não parecem dar conta do modo como os sujeitos circulam entre
casas de culto e se apropriam das práticas rituais disponíveis. As
lutas pela legitimidade social lançam mão de códigos
compartilhados (o jogo entre caridade e feitiço) a fim de produzir
poder social e simbólico em cada situação. Ocorre porém
que esses códigos parecem funcionar com sinais trocados: quanto
maior o poder social (investido no ideal da caridade/gratuidade),
menor o poder simbólico (força mágica do feitiço/dinheiro). A
recente expansão do neopentecostalismo não modificou os termos
dessa equação; antes, produziu uma equação com maior capacidade
de generalização.
Vamos entender as diferenças entre seita X religião. Apesar de ambas possuírem seguidores, há diferenças pequenas entre seita X religião. Vamos entender cada uma abaixo:
Seita
A seita deriva de um termo que vem do latin “secta” que significa seguidor, todo grupo que segue uma determinada corrente seja ela religiosa, política, musical entre outros ramos são designados com indivíduos de uma seita, esses grupos por defenderem uma ideia, ou pessoa específica muitas vezes são julgados por algumas religiões.
Na época em que os pensadores gregos ainda habitavam o mundo dos vivos, a palavra para definir esses grupos era heresia que no grego seria háiresis, traduzindo significa escolha, tomar partido, corrente de pensamento, anos depois passou a ser designada para o latim se transformando em secta.
Religião
A religião no geral é seguida por um grupo de pessoas que acreditam em Deus, ou entidades divinas, seguindo crenças culturais, visões do mundo segundo a doutrina de cada uma dessas religiões, cada uma das religiões estipula como seus seguidores devem se portar diante da sociedade, fazem com que o homem que crê entre em contato com o divino, cada um da sua maneira.
Em algumas religiões não são aceitos os costumes de pessoas que estão fora do convívio social dela, desde os primórdios da religião essa divisão religiosa ocorre, em alguns casos religiões afro descentes e seitas são taxadas de malignas e más por não seguirem os padrões religiosos impostos pelo cristianismo que foi uma das primeiras religiões a habitar a vida das pessoas.