Adoração às Deusas nos Mitos Antigos
A primeira corresponde a uma idade de alta espiritualidade e respeito tanto dos princípios masculinos quanto femininos da Divindade e da sociedade. A segunda um pouco menos, na terceira veem-se os mitos discriminar o elemento materno-feminino e o último nível – Kali Yuga –, segregar totalmente os mitos cosmogônicos matriarcais.
Deusa Pelé, Senhora do Fogo e dos Vulcões - Havaí
O interessante a ser analisado é que quanto mais a humanidade estiver afastada da espiritualidade, mais os mitos deixam de lado a veneração aos aspectos maternos/femininos de Deus.
Vejamos como são os mitos nas quatro Idades do Mundo: na primeira Idade, ou Yuga, o mundo é criado por um Deus andrógino, ao mesmo tempo Pai e Mãe. Na segunda, este mundo é criado por um deus andrógino ou um casal criador, ou então, por um coro de deuses, que se dividem em “masculinos” e “femininos” para criar o universo. Na terceira, um deus macho ou toma o poder da deusa ou cria o mundo sobre o corpo da deusa primordial. Finalmente, na última etapa, um deus macho cria o mundo sozinho.
Essas quatro etapas que se sucedem também cronologicamente são testemunhas eternas da transição da etapa matricêntrica da humanidade para sua fase patriarcal.
O primeiro e mais importante exemplo da primeira etapa em que a Grande Mãe cria o universo sozinha é o próprio mito grego. Nele a criadora primária é Geia, ou Gaia, a Mãe Terra. Dela nascem todos os protodeuses (Urano e os Titãs) e as protodeusas, entre as quais Reia, que virá a ser a mãe do futuro dominador do Olimpo, Zeus. Há também o caso do mito de Nanã Buruquê, que dá à luz todos os deuses do panteão africano, sem auxílio de ninguém.
Exemplos do segundo caso são o deus andrógino, que gera todos os deuses no hinduísmo, e o yin e yang, os princípios feminino e masculino, que governam juntos na tradição chinesa.
deus andrógino
Exemplos do terceiro caso são as mitologias nas quais reinam em primeiro lugar deusas mulheres, que são depois destronadas por deuses. Entre essas mitologias está a sumeriana, em que primitivamente a deusa Siduri reinava num jardim de delícias e cujo poder foi usurpado por um deus solar.
Mais tarde, na epopeia de Gilgamesh ela é descrita como simples serva. Ainda, os mitos astecas falam de um mundo perdido, de um jardim paradisíaco governado por Xoxiquetzal, a Mãe Terra. Dela nasceram os Huitzuhuahua, que são os Titãs e os Quatrocentos Habitantes do Sul (as estrelas). Mais tarde, seus filhos revoltam-se contra ela, que dá à luz o deus que iria governar a todos, Huitzilopochtli.
A partir do segundo milênio de nossa era, contudo, raramente se registram mitos em que a divindade primária seja materna/feminina. Em muitos deles, estas são substituídas por um “deus macho”, que cria o mundo a partir de si mesmo, tais como os mitos persa, meda e, principalmente e acima de todos, o nosso mito criacional judaico-cristão.
Jeová é deus único e todo-poderoso, onipresente, e controla todos os seres humanos em todos os momentos da sua vida. Cria sozinho o mundo em seis dias e, no final, cria o homem.
E só depois cria a mulher, assim mesmo a partir do homem. E coloca ambos no Jardim das Delícias, onde o alimento é abundante e colhido sem trabalho. Mas graças à sedução da mulher o homem cede à tentação da serpente e o casal é expulso do paraíso.
Adão e Eva
Os movimentos gnósticos, tanto da época de Jesus quanto contemporâneos, defendem que todo sistema religioso que elimine de sua doutrina a adoração ao Aspecto Materno de Deus e, paralelamente a isso, reprima a expressão e liderança da mulher em sua Eclésia, está fadado ao fracasso e à involução.
Isso se justifica porque os nomes sagrados das deusas e dos deuses são representações arquetípicas de todos poderes divinos, tanto no macrocosmo quanto no microcosmo. São, por outro lado, também nomes de Deidades (na tradição moderna conhecidos como anjos, arcanjos, querubins etc.) que existem como fato e realidade em dimensões superiores ao mundo físico.
Antiga Deusa-Mãe pré-védica, sul da Índia
Como exemplos, enumeramos a seguir alguns nomes de Deusas de diversos panteões, reverenciadas por povos ditos “primitivos”, porém, que são seres sagrados e têm a função de orientar, defender e dirigir as Chispas Divinas desses mesmos povos.
Chasca: (Peru) deusa similar a Vênus, a mais bela de todos os astros, “a donzela de cabelos longos e sedosos”, adorada como diligente pajem do Sol.
Tlazolteotl: (México) A Vênus mexicana, a que vela os afetos e atos de amor sublimes.
Bhavani: (hindu) A que dá o nascimento, é um dos nomes da deusa Parvati, esposa de Shiva. Teve os mesmos atributos de Vênus e, como esta, saiu da espuma do mar, elevando-se sobre a concha de nácar que lhe serve de trono.
Atabeira: (América) Deusa do amor e das colheitas, adorada no Haiti.
Io ou Iho: (Polinésia) Maori, Nova Zelândia, é a deusa suprema.
Ísis: (Egito) A Lua, identificada pelos gregos como Afrodite, a deusa dos jardins e do renascimento da vida.
Ceres: (Grécia) Deusa das colheitas e dos cereais, de onde provém seu nome; Afrodita reencarnó para regresar a la tierra como “Ceres” y lo hizo en un carro guiado por serpientes aladas.
Mais Deusas Destronadas
Na Oceania existia a crença, igualmente como nos diferentes povos “primitivos” de maneira universal, que o homem não intervinha na fecundação humana. Eles acreditavam que quando uma mulher ficava grávida, isso se devia à atuação das Divindades ou dos antepassados. Ainda em 1938, mantinha-se essa crença entre os bellonais das Ilhas Salomão, segundo referências de Zonabend: “Ignoravam, até a chegada dos missionários em 1838, a relação entre a cópula e a procriação.
Se uma mulher casada ficasse grávida, isso não se devia às relações sexuais com seu marido, senão a que os deuses e os antepassados da patrilinhagem de seu esposo estavam satisfeitos com dita aliança e lhe devam descendência…” E acreditavam que as Divindades produziam a ressurreição dos antepassados, como semente de vida, e que penetravam na mulher e se encarnavam em seus descendentes.
Daí as abundantes cerimônias e ritos mágicos propiciatórios da fertilidade, tanto humana quanto animal e vegetal, dos antepassados, como da colheita, com acompanhamento de esculturas femininas ou hermafroditas. E que eram dirigidas desde sempre por mulheres. E enquanto exerciam sua função, as sacerdotisas eram a encarnação da mesma Deusa.
Sobre isso, Campbell afirma sobre uma sacerdotisa da Deusa Pelé, do Havaí: “Uma sacerdotisa de Pele é, em certo sentido, uma encarnação menor da própria deusa. Assim que os missionários cristãos estava realmente falando com a própria deusa. Um desses missionários disse à sacerdotisa: ‘Venho trazer a vocês uma mensagem de Deus’. E a sacerdotisa disse: ‘Ah, esse é seu deus. Pele é a minha’”.
Deusa Pele
Nas diferentes ilhas se levavam a cabo cerimônias de fertilidade da colheita em honra às deusas, por mulheres, nas que usavam esculturas para que a Deusa Suprema promovesse a chuva e como as bailarinas sagradas dançavam ao anoitecer para provocar a chuva, cujo modelo eras das Deusas Dançarinas da constelação das Plêiades.
E as maoris dançavam no ano-novo, coincidindo com o levantamento heíaco das Plêiades
(Mararii i Nia e Mararii i Raro: Plêiades Acima e Plêiades Abaixo).
No Havaí, as dançarinas sagradas executavam a dança Hula em honra à Deusa Laka. No arquipélago de Trobriand, dançavam em honra à Deusa Konjimi. Em outras regiões dançavam em honra a outras deusas: da Mãe Ancestral das regiões montanhosas da Nova Guiné, nas ilhas da Melanésia: Pitilu, Nova Irlanda, na Nova Caledônia, em honra da Deusa Kabo Mandalat. E como músicas, as mulheres da Nova Zelândia tocavam os instrumentos feitos com peles de animais em honra à Deusa Tarabanga, “a Sábia Mãe Primigênia”.
Deusa Laka
Na Oceania, como no resto do mundo, também se deu a revolução patriarcal, e os homens se apropiaram das funções femininas. Por exemplo, apropriaram-se das práticas que as Sacerdotisas realizavam nas cerimônias religiosas. Apropriação masculina que se codifica em mitos, como apropriação masculina de instrumentos musicais.
E apropriação existente em regiões tão afastadas como na Grécia, onde Apolo se apropriou da lira das sacerdotisas délicas e o Deus Pã se aproprió da flauta siringa da ninfa Syrinx (e a partir de então a siringa passa a ser denominada flauta de pã). Também se apropiaram dos instrumentos de música que as mulheres tocavam, em regiões americanas, onde os xinguanos amazônicos se apropriaram das flautas femininas.
O mesmo ocorreu na Colômbia, no Brasil, em regiões da Terra do Fogo e na Austrália, onde os homens se apoderaram dos bramadores, objetos que estavam, segundo Husain afirma: “Antigamente sob a custódia das mulheres, até que lhes foram arrebatados à força”.
Çatal Huyuk
Os estudantes esotéricos, gnósticos em particular, deveriam estudar mais detidamente uma sociedade que pode ser considerada iniciática e matrística: Çatal Hüyük.
Segundo os antropólogos , a mesopotâmia, vista como o berço das civilizações, possuía antecessores muito mais proeminentes em Çatal Huyuk, organizada sobre padrões sociais e sistemas de crenças totalmente diferentes daqueles que nos têm sido ensinado em que uma sociedade deve se estruturar.
Çatal Huyuk, a Grande Deusa-Mãe ladeada por leopardos
Datada em cerca de 6700 a.C., Çatal Hüyük apresentava um refinado padrão tecnológico e cultural.
A cidade não apresenta fortes ou muralhas, o que presumivelmente não devia ser necessário, graças à sua postura pacífica.
Sua divindade máxima era a Grande Mãe de Tudo. Sua representação constava principalmente de uma mulher gorda e com grandes seios, ladeada por dois leopardos, como a que se vê na imagem ao lado.
Austrália
Na Austrália encontraram-se restos de uma antiga sociedade matriarcal, entre os habitantes das regiões do leste e do sul, enquanto no norte e no oeste eram patrilineares. As sociedades tasmanes (cuja população foi exterminada pelos ingleses e desapareceu por completo em 1876) e de outras regiões com cultura do Machado Cilíndrico, assim como nas tribos dos dieri e nos loritja da região de Vitória e de Nova Gales, tinham estrutura matriarcal, com forma de parentesco por linha materna.
Nessa sociedade as mulheres tinham grande importância e jogavam grande papel no terreno econômico: eram as que exclusivamente se dedicavam às tarefas de coleta de alimentos e a agricultura. A mulher podia exercer o cargo de chefes.
Também na Austrália, afirma Claude Lévi-Strauss: “As sociedades matrilineares têm uma distribuição meridional. Ocupam em massa o sudeste (sul de Queensland, Nova Gales do Sul, Vitória e o leste da província meridional, e também uma pequena zona costeira a sudoeste da província ocidental”.
Do que se deduz que alguns desses povos adorariam às duas Deusas Irmãs Gêmeas, Yirritja e Dhuwa, a Dualidade Criadora chamada Yuankaj, como Mães da humanidade: a Deusa Dhuwa, Mãe dos dhuwa (duwuae, uma das metades em que a comunidade está dividida) e a deusa Yirritja, Mãe dos yirritj (da metade giririta, ambas formam o todo, hermafroditas portanto).
Melanésia
O matriarcado nas ilhas que compõem a Melanésia era muito palpável. No arquipélago de Trobriand, da Nova Guiné. Segundo Lévi-Strauss: “A organização social dos indígenas das ilhas Trobriand, na Melanésia, caracteriza-se pela filiação matrilinear…”
Da mesma forma, manifesta-se Franz Mayr: “Apesar das pesquisas realizadas por Jones a Ortigues, a sociedade de Trobriand nos oferece como verificação concreta uma estrutura psicossocial matriarcalista; com efeito, a mãe e o que representa não somente é o centro da vida no nível mitológico e psíquico, mas também em nível socioeconômico, já que é o clã materno o depositário da herança e da comunicação, de modo que o pai não só não conta psicologicamente, senão tampouco social e economicamente.
A mulher, nessas sociedades ditas primitivas, tinha uma considerável participação na vida da comunidade, chegando até a ter um papel dominante nas atividades esconômicas, políticas, e especialmente nas mágicas e cerimoniais. A posição social das mulheres da região de Sepik era muito elevada, com um status alto.
Existiam mulheres com altos graus de chefia na Nova Guiné, que recibiam privilégios especiais por sua alta condição, incluindo de seus esposos, que eram de casta mais baixa. Na Nova Guiné são as indías papuas que fazem a cerâmica, cuidam do gado e a confecção dos totens, cuja arte era transferida da mãe para as filhas.
Na Nova Irlanda, na Nova Bretanha, no arquipélago de Bismarck e em inúmeros outros sítios o sistema matriarcal sempre foi predominante. Ainda hoje, em muitas dessas regiões, as mulheres realizam todas as funções relacionadas com a economia, enquanto os homens mascam ervas e se reúnem para papear.
E existiram mulheres guerreiras. Ralph Linton manifestava que presenciou condutas “pouco femininas” em mulheres tasmanianas e arapeshas. Dizia ele: “Entre os tasmanianos, por exemplo, a caça da foca era tarefa feminina… também caçavam gambá-comum, tendo para isso escalar árvores altas.
As mulheres arapesh, em geral, carregam fardos mais pesados que os homens pois sua cabeça é mais dura e forte”.
Entre os tiwi, da ilha Melville, perto da Austrália, Martin e Voorhies informam: “As mulheres, em troca, não somente recolhem plantas silvestres comestíveis e crustáceos como também caçam animais terrestres… Cada uma delas tinha os quatro elementos indispensáveis para a caça, que são um cachorro, um machado, um recipiente com tampa e um sistema portátil para a produção de fogo”.
Em todas essas culturas onde as mulheres lideram seu povo, predominam crenças míticas que consideram a humanidade como obra exclusiva da Mãe Ancestral.
Como exemplo, nas Ilhas Salomão creem que a Deusa-Serpente Alada Katuibware é a Grande Criadora do gênero humano. Nas Ilhas Carolinas se crê que a Criação se deve à Deusa Ligoapup, nas Ilhas Marquesas são as Deusas Atanua e Tuli, nas Ilhas Marshall é a Deusa Loa, na Nova Guiné são as Deusas Aramemb e Jugumishanta, as deusas da Lua.
Na Nova Irlanda seus habitantes creem-se descender de uma Mãe Ancestral; para os habitantes da Ilha Malekula (perto de Vanuatu), e nas Novas Hébridas é a Deusa Wata Mur, a Grande Mãe Criadora de todas as raças humanas…
Devemos relembrar que todas essas deidades são ao mesmo tempo representação do Eterno Feminino de Deus e Deidades (anjos, arcanjos etc.) que têm existência real nos Mundos Paralelos.
Polinésia
Na Polinésia vivem costumes que nos faz supor a anterior presença de instituições matriarcais que impuseram um domínio de religiões que adoravam a Deus em sua forma materna. Muitas dessas ilhas foram habitadas pelos canacos, raça de origem malaia, naturais do arquipélago do Havaí, que ocuparam as ilhas Pomotu, Marquesas, Taiti, Nova Zelândia, Fiji, Tonga etc. e que eram adoradores de Pelé, a deusa polinésia havaiana do Fogo e dos Vulcões.
A sociedade da Ilha de Páscoa (Rapaiti) era de estrutura matriarcal com divisão do trabalho de forma que eram as mulheres vahinas que executavam o trabalho, enquanto os homens descansavam e pescavam somente aos sábados.
Em outras ilhas polinésias, segundo lemos em Husain: “As mulheres desfrutaram de uma liberdade muito superior porque não estavam reprimidas, mas por outro lado, tiveram de jogar nas costas todas as cargas, já que os homens não podiam carregar nada nas costas”.
Também vemos uma hierarquia definida por e para mulheres em diversas regiões do mundo, cujas deidades superiores eram Mães Sagradas, como nas ilhas Fiji, Sandwich e Molucas (Mãe Ancestral Sakauno).
Em concomitância com a estrutura matriarcal da sociedade, o panteão divino tinha como principal hierarquia um conjunto complexo de divindades femininas ou Mães da Humanidade. Na Ilha de Páscoa existiam as sacerdotisas chamadas nerus, conhecedoras dos mistérios mágicos kai-kai, ou canções e jogos sagrados.
E as tumu-ivi-atua, com poderes sobrenaturais que atuavam como profetisas e curandeiras, intermediárias entre a Deusa Hanua e a humanidade. A Grande Deusa Hine-Nui-Te-Po é a ancestral dos aborígines maoris. E a Deusa Hannarva, adorada pelos habitantes de Taiti, casada com seu irmão, foi a Mãe da raça humana.
(gnoseonline.org)
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